04 novembro 2005

PT, direita e esquerda
13.10.2005


Por Emir Sader (*)


Os graves erros cometidos pelo PT, no partido e no governo, se chocam diretamente com as tradições do PT e da própria esquerda. O PT e o governo erraram e erram quando dão continuidade a políticas e a formas de ação que caracterizam a direita, e não a esquerda.A política econômica, herdada do governo FHC -conforme palavras do próprio ministro da Fazenda-, com suas projeções negativas em outras políticas do governo, como em relação aos transgênicos, aos cortes nos recursos para as políticas sociais, na postura contraditória em relação ao "software livre", na limitação e recuos nas políticas agrária e agrícola, pouco caso no que toca aos direitos dos povos indígenas, para citar apenas alguns casos, constituem o cerne do governo e foram elaboradas e postas em prática pela direita: o bloco PSDB-PFL.Privilegiando metas financeiras, e não sociais, o governo se choca com os interesses da agricultura familiar e da segurança alimentar, promovendo uma política cara à direita, e não à esquerda. Um modelo econômico voltado para a exportação é uma opção de direita, ao passo que um modelo voltado para o mercado interno de consumo de massas, com distribuição de renda, se caracterizaria como de esquerda.A realização de campanhas eleitorais baseadas no marketing -como costumam fazer os partidos de direita-, e não em valores da esquerda, centradas na militância, no debate político e em uma determinada opção ideológica. As políticas sociais focalizadas, emergenciais e compensatórias, e não de universalização dos direitos, são características da direita, em oposição à tradição dos governos municipais do PT.Esses erros propiciaram a chance que a direita brasileira esperava para reinstalar um clima de guerra fria, com generosos espaços na mídia para qualquer tipo de acusação contra a esquerda.Da declaração racista de Jorge Bornhausen (PFL) -sem nenhum protesto na mesma mídia que diariamente mostra-se "indignada" com qualquer deslize da esquerda- até a acusação de que o governo Lula e o PT teriam sinais digitais no assassinato do brasileiro no metrô de Londres. Com o consenso liberal dominante, qualquer gasto estatal é criminalizado, como recursos para políticas sociais a fomento de atividades culturais, porque estas não atendem aos interesses das empresas monopolistas do setor e se dirigem aos mais miseráveis do país mais injusto do mundo.Tenta-se desqualificar a esquerda com os erros do governo Lula e do PT, mas os erros do governo Lula e do PT devem-se à manutenção de políticas e métodos da direita. Já os méritos do governo Lula e do PT vêm da esquerda.São os méritos da política externa, que rompeu com a política da direita -de subserviência total às políticas dos EUA. São os méritos da política educacional, que rompeu com o mais extenso processo de privatização da educação que se têm notícia e busca fortalecer a educação pública nos seus diversos níveis. São os méritos da política cultural, que rompeu com a ampla privatização das atividades no setor -marca do governo anterior- e busca caminhos para a valorização das distintas iniciativas com sentido público, democrático e popular.A esquerda critica as políticas e os métodos de ação de direita que o governo e a direção do PT adotou. A utilização de recursos públicos para fins privados é característica dos métodos com que a direita governou o país ao longo de toda a sua história, com sua visão patrimonialista do Estado, mercantilista da política. Os dirigentes do PT adotaram esses métodos, renegando o espírito público que norteou grande parte dos governos municipais do partido e as políticas sociais formuladas e postas em prática nessas administrações.Tenta-se desqualificar o arcabouço histórico da esquerda, responsável pelos melhores momentos da história da humanidade, em nome de comportamentos que significaram o abandono desses valores e a adoção de métodos e políticas de direita. Pode parecer que a forma de condenar imoralidades seja a mesma em ambos os lados e que o clima atual consagraria a superação dessa dicotomia. É certo que a atuação de algumas pessoas, parlamentares ou não, que pretendem se situar no campo da esquerda, não se diferencia das entrevistas e intervenções direitistas que ocupam a quase totalidade dos espaços da mídia. Mas, fazendo assim, infelizmente, não se diferenciam dos discursos da direita.A direita apóia as políticas de direita do governo e se choca com as políticas de esquerda. Um governo e um partido de esquerda têm de reivindicar as políticas de esquerda presentes no governo e combater frontalmente suas políticas -hegemônicas- de direita. Esta mostra toda a sua força na crise atual.Que a esquerda saiba recuperar sua unidade, propor as suas alternativas para a crise, retomar a iniciativa e recolocar com força a oposição política que continua a comandar o mundo contemporâneo, entre dois lados opostos: esquerda e direita.(*) Emir Sader é professor de sociologia da USP

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